Caninos Brancos by London Jack

Author:London, Jack
Format: epub
ISBN: 978-85-8086-944-6
Published: 2014-03-14T04:00:00+00:00

6. A escassez

A primavera estava próxima quando Castor Cinzento deu por terminada a sua longa viagem. Era abril, e Caninos Brancos tinha um ano de idade quando voltou puxando o trenó à aldeia em que vivia, e Mit-sah o soltou dos arreios. Embora ainda estivesse longe de parar de crescer, Caninos Brancos era o maior filhote da aldeia na faixa de um ano de idade, ao lado de Beiçudo. Tanto do pai, o lobo, quanto de Kiche, Caninos Brancos herdara estatura e força, e já estava quase do tamanho dos cachorros adultos. No entanto, ainda não havia ganhado massa. Seu corpo era esguio e longilíneo, e seus músculos mais finos do que salientes. Sua pelagem tinha o tom cinzento do lobo de verdade e, sob todos os aspectos, ele parecia um lobo de verdade. A quarta parte da estirpe canina que ele herdara de Kiche não havia deixado nenhum traço físico nele, embora tivesse influenciado sua constituição mental.

Ele perambulou pela aldeia, reconhecendo com contida satisfação os diversos deuses que conhecera antes da longa viagem. Reconheceu também vários cães, filhotes em crescimento como ele e cachorros adultos, que já não pareciam tão grandes e ameaçadores quanto nas imagens que ele trazia na memória. Também não os temia tanto quanto antes, andando entre eles com certa desenvoltura tranquila que lhe era tão nova quanto agradável.

Lá estava Baseek, um cachorro velho e grisalho que, quando mais novo, só precisava mostrar os dentes para fazer Caninos Brancos meter o rabo entre as pernas e bater em retirada, cabisbaixo. Graças em grande parte a Baseek, Caninos Brancos havia se dado conta da sua própria insignificância; graças em grande parte a Baseek, Caninos Brancos perceberia agora o quanto ele próprio havia crescido e se desenvolvido. Baseek tinha enfraquecido com a idade, ao passo que Caninos Brancos ficara maior e mais forte com a chegada da juventude.

Foi na hora de dividir um alce recém-abatido que Caninos Brancos descobriu que a posição que ele ocupava no mundo dos cães tinha mudado. Havia pegado para si uma pata e parte da canela do alce, com um bom pedaço de carne. Distante da disputa travada pelos outros cachorros — na verdade, escondido atrás de uma moita —, Caninos Brancos devorava seu butim, quando Baseek investiu contra ele. Antes mesmo de perceber o que estava fazendo, Caninos Brancos deu duas dentadas no inimigo e em seguida pulou para trás. Baseek foi surpreendido pela ousadia do adversário e pela ligeireza do ataque. Ficou parado, olhando com ar pasmo para Caninos Brancos, a carne crua e vermelha da canela do alce entre os dois.

Baseek estava velho e já sentira na pele a valentia crescente de cães que ele costumava oprimir. Eram experiências amargas, essas que ele agora era forçado a engolir, e valia-se de todo o seu conhecimento para lidar com elas. Tempos atrás, teria atacado Caninos Brancos com fúria, acreditando estar no seu direito. Agora, porém, o declínio de suas forças não lhe permitia agir assim. Eriçando os pelos ao máximo, Baseek lançou, por cima da canela do alce, um olhar feroz e ameaçador para Caninos Brancos.

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